domingo, 29 de março de 2009

Cartas de antes

Minha querida...

Estas cartas também estão arquivadas no
primeiro blog
que fiz para você.


Segue transcrição.



Sábado, 17 de Janeiro de 2009
Amor, vida

Você está aí, crescendo, linda e corajosa, no seu casulinho
de sonho e
de estrela. Aqui fora, sua mãe equaciona questões sobre o seu
guarda-roupas e sobre a sua criação em um mesmo impulso.
Vontade de partilhar contigo, então, história e conceitos,
expectativas e esperanças, medos e ternura. Vontade de te abraçar dentro
de mim, e te sentir e me sentir, e refazer e concatenar, e tantalizar
tantos sentimentos... Mas tudo fica mais ou menos preso.
Houve um tempo, Ma, em que eu precisei realmente de ajuda. Eu queria
alguém que me ouvisse, só uma vez, e não me julgasse. Não me dissesse
nada, apenas me abraçasse. Não me forçasse a raciocinar, nem tentasse me
provar nada. Eu precisava de um contato humano por excelência, de um
contato humano por definição e pensei que precisava de terapia. Bem,
errei. Na terapia, fizeram justo o de que eu fugia: raciocine, elabore,
não importa que você esteja sangrando e só precise de um abraço,
precisar tanto de um abraço e se sentir assim não é correto.
Provavelmente você está regredindo, e não duvido que ela estivesse
certa, no final, embora não tenha dito todas essas palavras porque,
quando eu vi que não poderia entrar comigo naquela porta, eu
simplesmente a mantive fechada.
Fiquei muito tempo chateada e decepcionada com ela por causa disso,
mas eu nunca lhe disse. Para quê? Talvez ela entrasse outra vez em
julgamentos, e talvez conseguisse me convencer de que eu estava
simplesmente errada... Então um belo dia a ficha caiu. Eu não estava
procurando terapia; estava procurando minha mãe. O que eu queria,
dificilmente um profissional faria; a mãe que de certa forma eu perdi
quando enterrei meu pai, sim.
E nesse silêncio, quand eu me preparava para te falar do valor da
vida e da transcendência das coisas, enquanto eu me preparo outra vez
para tentar servir a quem não curto realmente, vem na minha emnte todas
essas idéias e sonhos e expectativas...
Acho que, com você, encerra-se um círculo. Eu esperei por tempo
demais pela mãe que nunca veio, de certa forma, porque não podia mesmo.
Agora, é tempo de eu aprender a ser essa mãe, e não só quebrar, como
inverter meu padrão.
Que tenhamos sorte juntas, meu amor, e que eu tenha a sensibilidade
para entender de que você precisa sem que você precise implorar.





Terça-feira, 20 de Janeiro de 2009
Ousadia sem limite Meu mundo caiu quando eu soube que seria mãe de
menina. Descobrir a
gênese desse pavor quase me submergiu, ao tempo em que tentava lidar
com mais
uma gravidez exigente e com a tarefa de não prejudicar o andamento das
coisas ao meu redor com as minhas introspecções.
A verdade é que é mais ou menos óbvia a violência imposta aos meninos
em nossa sociedade, e é, portanto, mais fácil preservá-los dela. Dizer
"não" aos brinquedos que estimulem a agressividade, aos filmes
violentistas, às ideologias que não resistem a qualquer argumentação
mais
viril de que um homem não pode ser sensível e ser
masculino. Dizer "não" a exaltação da força bruta sobre os valores
éticos, às vantagens do grito sobre o diálogo.
Entretanto, no universo feminino tudo é muito mais sutil e
pernicioso: o violento é doce; a agressão é sutil, multifacetada, com
cara de liberdade, modernidade e tons de rosa.
Os protótipos de beleza são cadeias que limitam e aprisionam; a moda
são regras que despem-nos da originalidade e do direito de sermos
únicas; a liberdade sexual é um conceito que, no final das contas,
rebaixa-nos a materiais pornográficos; os brinquedos não incitam à
violência direta, mas engessam nossos raciocínios em posturas
que nos condenam ao papel de repetidoras, não de pensadoras,
portanto sempre coadjuvantes, não escritoras de nossos próprio
destino.
Entre tanta atenção reservada a ser popular, bonita e moderna, sobra
pouco espaço para a descoberta de nosso próprio eu, da nossa própria
feminilidade e de nossas próprias preferências. Somos treinadas para
sermos massa, não para sermos autônomas e responsáveis. E o preço
cobrado pela ousadia de ser diferente muitas vezes é mais caro para as
meninas que para os meninos.
No universo masculino, tudo é mais ou menos óbvio: o brinquedo
atira, bater é evidente. Você o ensina a desvalorizar a mulher se o
manda engolir o choro porque é "coisa de bichinha" (ensina-o a
desvalorizar a mulher e a negar os próprios sentimentos, de uma vez só);
no universo feminino, não. Tudo é mais indireto, delicado e, talvez por
isso, mais daninho. O belo nem sempre é seguro e os contornos perdem
mais facilmente a justa dimensão.
Penso nesse serzinho que cresce dentro de mim dia após dia. Passei
do susto ao medo, do medo à pena e da pena à ação: eis o que pretendo
dizer a minha filha de diferentes formas, desde o dia do seu nascimento
até o de minha morte: Seja ousada, minha
filha. Ousadia sem limite. Que você seja mulher bastante para aceitar
como únicas bússolas um sistema concreto de ética, o amor e o respeito a
si mesma e a toda e qualquer coisa viva que tenha diante dos olhos.
Fazendo assim vai sofrer? Ah, sim, sem dúvida. Mas ao menos terá o
orgulho de dizer que sofreu por aquilo em que acreditava. No
mais, meu amor, ouse. Ouse sem limites. OUse entrar dentro de
si mesma e descobrir seus próprios sonhos! Ouse abrir mão de "tudo",
para viver o essencial. Ouse sofrer com qualidade e amar com valentia.
OUse escolher quando, como e com quem ter relações, e ouse fazer amor no
sentido mais ousado da expressão, que é o de construir e reconstruir o
sentimento na ternura e na fogueira do dia-a-dia.
Nesse mundo em que a violência veste os trajes da modernidade e em
que a ética é rebaixada a posição mais subalterna, tenha a coragem de
mostrar que amar é mais que urgente e que a lucidez da mente compensa
qualquer espécie de preço. Ouse descobrir que a paz de consciência é
mais importante que qualquer aprovação externa e que o amor que flui de
dentro para fora não conhece regras nem limites, exceto os ditados pelas
estrelas. OUse olhar as estrelas, colocar flores nos cabelos,
lambusar-se de terra, ter força na fraqueza e doçura em plena luta. Ouse
investir na beleza indiscutível - aquela que flui de dentro para fora e
que se impõe porque contagia. Ouse ser a melhor pessoa que você puder
ser, dia após dia, minuto a minuto, sem se importar se os outros estão
percebendo sua performance. Ouse ter a aceitação como uma dádiva, não
como uma condição para amar realmente e fazer o que precisar ser feito.
Só assim, meu amor, você penetrará verdadeiramente no vulcão e na
doçura se ser mulher.

Sábado, 24 de Janeiro de 2009
Coisas Materiais


Querida...
Compramos todo seu jogo de quarto. Falta apenas a cadeira. Ontem
compramos o guarda-roupa, a cama e o trocador; hoje compramos o
criado-mudo.
Acho que na quarta compraremos as tintas para pintar o seu quarto e
o do seu irmão. Quero fazer isso antes da saída da Diva, no dia 27/02.
Contei que nesta quarta estive em Ribeirão, dentre outras coisas,
para ver a questão do seu nascimento? Oh, foi.... Além das expectativas.

Enquanto isso, vocÊ cresce e eu vomito, não que exista uma relação entre
as duas coisas.




Quarta-feira, 11 de Fevereiro de 2009
18 semanas Dezoito semanas, querida. Venho te contar que, apesar dos
incômodos
da gestação, estamos todos bem. Teu irmão te chama de Mijila Tela e seu
pai te saúda sempre que vai trabalhar e que vamos dormir. Você é membro
ativo nas nossas preces e nos nossos planos.
O que mais posso te dizer, minha querida? Que o seu enxoval está
todo pronto; que em breve estará pronto também o seu quarto; que eu ouço
"monedita de mamá" e me lembro de você; que ouso sonhar que você será
uma amiga para seu irmão; que você é um mistério, mas, gradativamente,
converte-se em um doce mistério? Acho que de tudo isso você já sabe, de
algum modo.




Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2009
tradições familiares Querida...
Em uma rara tarde livre, em que seu irmãozinho foi passear com a
Diva, estava olhando as sugestões de promessas/conversas da Malika
Chopra no seu livro "100 promessas para meu bebê" e decidi fazer alguns
dos "exercícios" sugeridos, com a intenção de nos aproximar mais,
enquanto vocÊ está aqui, no seu cantinho molhado e seguro.

"ESCREVA UMA PROMESSA para seus filhos sobre seguir (ou não) determinada
tradição familiar e explique a razão da importância
que ela tem para você."

Evangelho no lar.
No Espiritismo somos aconselhados a realizar essa pequena reunião,
na qual lemos uma passagem do Evangelho Segundo o Espiritismo ou outro
livro cemelhante e conversamos sobre o que compreendemos. Existe uma
prece antes e uma depois. Quero que possamos fazer isso os quato, porque
é uma forma de crescer em família, porque é uma maneira de aprofundar
laços e uma forma de fazer com que Jesus seja parte de nosso dia-a-dia.

Outra "tradição" que Vi e eu desenvolvemos é a de jogar juntos.
Penso que existem vários jogos que nós, os quatro poderemos aproveitar.
Outra vez, penso que essa p

rática reforça os laços e estimula a
convivência.



Sexta-feira, 20 de Fevereiro de 2009

Decisões do coração
Agora pedem que partilhe contigo uma história em que
eu tenha
tomado uma decisão "seguindo o meu coração" e te diga o resultado.
Bem, na hora em que ler essa história, talvez já a tenha ouvido, mas
fica o registro.

Eu tinha 16 anos quando vi o nome do seu pai em uma revista e
descobri que era importante para mim conhecê-lo. Acho que foi uma
"decisão do coração" tentar telefonar-lhe de um orelhão defronte o meu
prédio, para ver se ele quereria se corresponder comigo.
Eu ainda tinha dezesseis anos quando estava em um bate-papo da
Internet conversando com seu pai. De repente, veio o impulso e eu disse
que o amava. Saí correndo, mas foi uma "decisão do coração". Hoje faz
nove anos.... No dia 25 daquele mesmo mês e ano, ele perguntou se podia
dizer que estávamos namorando. Foi o "sim" que mudou a minha vida.
Em julho do mesmo ano decidi deixar tudo só para ficar menos longe
dele e fui para Macaé, no Rio de Janeiro. Não só por culpa dos outros,
foram anos difíceis... Mas foi graças a isso que seu pai e eu pudemos
nos encontrar mais e pudemos ter um futuro.
Foi "decisão do coração" encontrá-lo em outubro pela primeira vez,
já depois que minha vida toda tinha sido reformada em função de sua
existência. Foi "decisão do coração" continuarmos sempre que o bom senso
indicava que devíamos terminar.
O que eu posso te dizer de tudo isso, minha filha? Prese a lógica e
o domínio das próprias emoções. Prese a análise ponderada das coisas e o
discernimento aonde quer que esteja. Aonde quer que vá, não esqueça de
quem você é, da sua família, do amor que receber, das suas aquisições
morais... Mas existem vezes, poucas, mas decisivas, em que tudo isso não
basta; em que o importante mesmo é seguir uma voz que nos fala, e que é
mais poderosa que quaisquer argumentos, e que nos leva aonde jamais
iríamos sozinhos. Uma voz que nos levará através do sofrimento, do
torvelinho e da dor, até... Até o limite da nossa força em realizar
nossos sonhos...
Durante a vida terrena, todos nós somos acometidos por loucuras...
Espero que vocÊ tenha, Má, a sabedoria de ser acometida por loucuras que
não valham apena serem curadas... E que sempre te façam ir e ver além de
si mesma.



Sábado, 21 de Fevereiro de 2009
Confidências Minha pequenininha...

Como é estranho pensar em você, um ser tão frágil e tão forte,
milênios e milênios de experiências condensados em uma cápsula vivente,
desenvolvendo-se, espichando-se, ousando expor sua face outra vez sobre
a face do mundo, enfrentando no estado mais vulnerável possível todo
mistério, e graça, e turbilhão de simplesmente existir!
Ver tudo isso, sentir tudo isso, coloca-me ombro a ombro e há
quilômetros de todas as mulheres que geraram antes de mim, que pariram
antes de mim. Tua vida em nossas vidas, nossas vidas numa tecedura
eterna de porquês e para quês... Missão de introjetar em teu ser valores
eternos de acordo com sua disposição e possibilidades, abraçando por
inteiro a tarefa de te educar e me reformar para te capacitar a
aproveitar essa oportunidade de existir com a maior gama de qualidade de
vida possível...
Minhas lágrimas sobre o teu mistério - quais serão os seus sonhos e
objetivos, necessidades e expectativas? Por que eu e não qualquer outra,
por que nós e não outros quaisquer? Amor, aceitação, medo, "contrato de
risco"... Jogando fora minha zona de conforto, conquistada a tão duras
penas, pela necessidade sem nome e sem teoria de um ser que eu não
conheço, mas que eu senti, por Deus, eu senti, enquanto aquela música
desfolhava e transbordava, enquanto você estava, afinal, em algum
lugar, perto e longe de mim... Perto bastante para eu te desejar, longe
suficiente para eu não conseguir entender...
Ah, Mariles... Como te dizer todas essas coisas sem soar
simplesmente absurda? Como abraçar com honestidade e franqueza a plêiade
de sentimentos combinados em que você me lançou, mal tinha seu irmão
deixado a uti? Como abordar com franqueza meu medo de desejar que você
seja uma cópia minha, irmanado ao pavor de que sejamos tão diferentes,
que minha línguagem não conheça recursos para falar à sua!
Eu te amo, Má, de uma forma nada racional, nada lógica, nada
conclusiva... Mas eu te sinto perto, meu Deus, e teus sentimentos são
tão estranhos quando tocam os meus! Mais que com teu irmão, sinto-me,
efetivamente, às portas de um mistério, que me atrai tanto quanto me
assusta, que ameaça me aniquilar para me obrigar a renascer sob as
diretrizes de outra pessoa, que será, mas jamais poderá ser a mesma que
sou hoje.
De qualquer modo, você sabe que eu te disse "sim" muitas vezes, que
apesar do meu medo, que é mais de mim que de ti, sempre que me foi dado
escolher, eu sempre te disse "sim". E é isso que quero continuar
dizendo, num esforço infinitamente elástico, insensato e ousado.




Sexta-feira, 6 de Março de 2009
marcos materiais, e temporais - elos emocionais Minha pequenininha....

HOje você completa vinte e duas semanas gestacionais. Teu irmão te
ama sem nunca ter te visto, e já te espera. Nós estamos honrados por ter
você como membro cada vez mais presente em nossa família, como que sua
presença se fosse solidificando ao largo dos dias.
Eu te nutro enquanto me reformulo, como se meus próprios alicerces
se ajustassem para parir teu corpo e iniciar a desafiante e magnífica
aventura de viver contigo.
Teu quartinho está praticamente pronto, faltando apenas mandar fazer
os seus quadrinhos. Em breve posto aqui fotinhas dos seus quadros e do
seu quarto. Seu enxoval está também pronto, faltando apenas slings... E
enquanto meu corpo te gesta, a alma de nossa família inteira está
grávida de amor por você.
Uma vez mais, seja bem-vinda. Uma vez mais, torço para que as
vibrações de nossos sentimentos tão etéreos quanto avassaladores
atravessem sua cápsula de existir e toquem as mais sagradas fibras do
seu ser. Estamos te esperando, Mariles, e você é bem-vinda exatamente
como é.


Quarta-feira, 18 de Março de 2009
Ultra, hoje

Pequenininha...
Confesso que estou um pouco tensa. Ultra morfológica dentro de
algumas horas. Não que faça questão de que você seja fisicamente
perfeita, mas um medinho irracional de eu "ter feito algo" que tenha te
prejudicado, sei lá.
No mais, tudo em paz por aqui. Seu quartinho falta apenas os dois
quadros, que breve ficarão prontos. Gestar você tem me obrigado a
revisar uma série de paradignas, como se meu próprio "eu feminino" se
reestruturasse para formar o seu, como se eu me "reparisse" a mim mesma
enquanto te gesto. Agora nem sei mais quem está parindo quem, se eu a
você ou você a mim.
Todos esse processo tem sido, a um só tempo, exigente e divino,
apavorante e gentil. Agora não me pergunte como tantos paradoxos podem
conviver juntos.
Eu te amo, pequenininha